Quem sofre deste transtorno social tem um medo muito grande de ser criticado ou ridicularizado.
Depressão, uso de álcool e drogas estão entre as consequências.
ISABELA ASSUMPÇÃO
Ribeirão Preto (SP)
Noite de sexta-feira em São Paulo. Começa a balada. Na pista lotada está a fonoaudióloga Patrícia Colozza, uma jovem bonita e alegre. Ela dança com as amigas. Quem vê pode até achar que ela sempre foi assim. Mas, pouco tempo atrás, Patrícia jamais estaria ali porque tinha horror de ser observada. "Eu tinha muita vergonha, ficava sempre no cantinho, não dançava", conta. Na verdade, tinha vergonha de quase tudo. "Digitar na frente de outras pessoas ou escrever, coisas bem banais mesmo, me incomodavam muito se tivesse outra pessoa me olhando", conta. A timidez em excesso escondia ainda outras dificuldades maiores. "Eu tinha medo de várias coisas: piscina funda, elevador, lugar fechado com muita gente, avião, direção", relata. E sempre foi assim, desde pequena. "Era terrível quando a professora me chamava para ir até a lousa fazer exercício. Fisicamente, eu sentia tremor, taquicardia, meu coração disparava, minha boca ficava seca. Às vezes, sentia falta de ar, ficava muito nervosa", descreve. Mas, para a família, aquele comportamento reservado era normal. "Nunca pensamos que fosse grave", diz a irmã de Patrícia, Graziela Colozza."Ela sempre foi uma menina quietinha, mas eu não tinha preocupação", conta a mãe de Patrícia, Neura do Carmo Colozza.
Patrícia sofria em silêncio. Tinha um transtorno de ansiedade, conhecido como fobia social. Não é só timidez – é muito pior. É um medo monstruoso de ser criticado ou ridicularizado. Quem tem fobia social sempre acha que fez, faz e fará tudo errado. É um mal crônico, que atinge de 10% a 15% da população do mundo, com consequências como depressão, uso de álcool e drogas. Como detesta se expor, a pessoa vai acumulando prejuízos de todo tipo.
"A pessoa que tem fobia social apresenta uma coisa que chamamos de ansiedade antecipatória. Por exemplo, se tem que fazer um seminário ou conversar com o vendedor em uma compra, ela acaba ficando ansiosa antes de ir conversar com essas pessoas e acaba evitando essa situação", esclarece o professor de psiquiatria José Alexandre Crippa, da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto.
Mas como que esse medo irracional atua no cérebro? E o que pode ser determinante em um caso desse? Foi o que os psiquiatras do Hospital das Clínicas da USP de Ribeirão Preto investigaram. A primeira constatação: a grande maioria dos fóbicos não sabe que sofre de um transtorno. Do grupo inicial de 2,7 mil pessoas, cerca de 300 sofriam de fobia social, mas só duas sabiam.
"A maior parte das pessoas nem sabe que isso é um transtorno e que tem tratamento. Acham que é um traço de personalidade, uma manha, um jeito de ser, e ficam sofrendo sozinhas", diz o professor José Alexandre Crippa.
Em uma segunda etapa, 67 pessoas foram divididas em três grupos: os que tinham o transtorno, os que só eram tímidos e os que não tinham nenhum problema. Todos passaram por testes clínicos e de neuroimagem.
Juliana Aparecida Leite realizou o mesmo tipo de teste feito pelos voluntários.
O primeiro passo é medir a pressão arterial. Um aparelho registra a quantidade de suor na pele em situação de estresse. E a situação proposta é uma das mais temidas pelos fóbicos sociais: a de se expor. Os voluntários têm que fazer um discurso de dois minutos olhando para uma câmera. Quando tudo terminou, Juliana confessou: "Foi difícil".
No final da pesquisa, os fóbicos e os tímidos apresentaram o mesmo nível de ansiedade, que era maior do que a dos saudáveis. A diferença foi como eles viram o próprio desempenho. A autoavaliação do fóbico é muito mais negativa. Isto é, ele acha que teve um desempenho muito pior. E isso pode ser determinante para ele desenvolver uma doença, como a depressão.
Já os testes de neuroimagem revelaram surpresas. Localizada na região das têmporas, a área do cérebro que processa as emoções é a amídala. Os exames mostram que quanto maior é a ansiedade, maior o tamanho da amídala. E mais: quanto menor for o cíngulo anterior, a parte do cérebro relacionada ao julgamento, pior a autoavaliação da pessoa em situações sociais.
Mas o destaque inesperado da pesquisa se chama Daniel de Paula, um rapaz saudável, que só começou a sofrer com ansiedade há cerca de cinco anos. Ele foi atropelado quando andava de bicicleta. Recuperou-se sem nenhuma sequela aparente, só mesmo uma estranha insegurança. "Para fazer um seminário na escola, por exemplo. Eu sabia que tinha que falar com todo mundo me olhando, mas não conseguia. Eu ficava nervoso, meu coração disparava e me dava um branco. Eu não conseguia falar", lembra Daniel, que hoje é inspetor de qualidade. A família percebia que ele estava um pouco diferente. "Principalmente na forma de conversar. Eu senti o Daniel muito desanimado, recluso às vezes. A voz não saia", conta o pai de Daniel, João Paulo de Paula. Mas ninguém imaginava a gravidade daquilo. Daniel foi procurar ajuda e acabou se tornando voluntário na pesquisa dos psiquiatras. Quando eles avaliaram o exame de ressonância magnética do cérebro do rapaz, tiveram um susto. "Ele havia ficado com um hematoma subdural, que estava pressionando o lóbulo frontal. Essa pressão, provavelmente, foi ocasionada pelo acidente. A partir daí, ele começou a apresentar os sintomas", explica o professor de psiquiatria Jaime Hallak, da Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto. Ele foi operado e está em tratamento. Com Daniel, os médicos fizeram mais uma importante constatação sobre a fobia social.
"A fobia social tem pelo menos um componente orgânico muito claro", afirma Jaime Hallak.
Não importa a intensidade do transtorno, é preciso buscar tratamento. "A primeira medida é procurar um profissional – um psicólogo ou um psiquiatra – para fazer um diagnóstico correto. E a partir daí fazer um tratamento adequado para cada caso", orienta José Alexandre Crippa. Daniel e Patrícia são a prova disso. A vida deles mudou para melhor. "Ele voltou mais alegre, mais falador, mais expansivo", relata o pai de Daniel. Confiante, Daniel confessa: "Eu melhorei bastante com a medicação e com o trabalho que está sendo feito comigo. Tanto é que eu estou aqui conversando. Acho que antes eu não conseguiria". Já Patrícia conquistou uma vitória: a mocinha que antes tinha medo de falar foi a oradora da turma na formatura da faculdade. "Hoje tenho orgulho – pela formatura e por ter sido oradora. Sinto saudade e alegria", comemora.
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